Revendo meu acervo de fotografias eu me deparo, mais uma vez, com as fotos
que tomei em minha viagem à União Soviética em 1981. Em novembro deste ano,
visitei este grande país, a convite do seu Ministério da Saúde. Ali permaneci
por 13 dias. Havia levado comigo dois rolos de filmes Kodak que se esgotaram em
Moscou, tal a quantidade de fotos tomadas naquela linda cidade. A beleza das
fotos, a boa delimitação de cores, revelando nuances e tons degradê, mesmo
passados quase quarenta anos em que foram tomadas, revela a grande qualidade
desses produtos do mundo capitalista.
Tendo dificuldades na aquisição de novos filmes para a câmera
fotográfica Olympus, de origem japonesa, solicitei a ajuda de minha cicerone, a
Srta. Helen Kornilovitch, secretária do diretor da instituição que me acolhera.
Com muita dificuldade, consegui adquirir um rolo de filmes em preto e
branco em uma loja de Moscou.
Eu já ficara impressionado com o grau de atraso tecnológico em que o país
vivia. Enquanto em todo o Ocidente, há quase duas décadas, convivíamos com as
calculadoras eletrônicas japonesas que invadiram o mercado mundial a partir do
início da década de 1960, na União Soviética eu não vira em lugar algum uma
mísera maquininha de calcular. Os vendedores de lojas faziam os cálculos para
dar o troco nas compras utilizando-se do velho ábaco. As origens do ábaco
remontam às mais antigas civilizações. Na Mesopotâmia, no período entre 2.700 a
2.300 a.C., foram encontradas as primeiras referências acerca do seu uso.
Posteriormente, foi aperfeiçoado por romanos e chineses e sua prática chegou
quase intacta até nossos dias. É um método que utiliza uma moldura com bastões
ou arames paralelos por onde deslizam fichas, bolas ou contas, utilizando-se do
sistema decimal por casas (unidades, dezenas, centenas, etc.) em que as
principais operações aritméticas são realizadas com facilidade.
Com a prática, o indivíduo torna-se extremamente ágil e rápido no uso do
ábaco. Entretanto, com a eletrônica, o uso do ábaco, fora do aprendizado
escolar dessas operações matemáticas e o treino cognitivo, não faz sentido. Quando
visitei este belo e rico país, de tradições culturais, musicais, literárias e
artísticas únicas no mundo, todas as transações comerciais, de
transportes, etc., era feita através do velho ábaco. A única exceção, vista por
mim, já era a utilização de computadores em centros de pesquisa universitária.
Não sei dizer se os computadores já eram utilizados nas atividades bancárias.
Mas, sua utilização ampla, geral e quase irrestrita, em todos os locais por
onde andei, revela apenas o atraso tecnológico do país, o que se revelou fatal
com o desenrolar da Guerra Fria e da guerra tecnológica com os Estados Unidos
da América.
Quando parti para Leningrado (atual São Petersburgo) meus filmes Kodak
estavam no fim. Quando terminaram, utilizei este rolo de filmes adquirido em
Moscou. Qual não foi minha surpresa quando, já no Brasil, revelei esses filmes
e me deparei com uma qualidade da película que não tem adjetivos de tão ruim
era. As fotos, além de se apresentarem escuras, de poucos contrastes, se
deterioraram em poucos anos e, em muitas delas, não se podia distinguir mais nada.
Eu as considerava perdidas.
Em 2015, consegui, com um especialista, a digitalização das fotos que tinham
sido reveladas como slides. Ficaram um tanto oníricas e surreais. Algumas são
até mesmo dignas de participar de campeonatos artísticos de fotografia se
tivessem sido feitas propositalmente para esse fim. Mas, não, tratou-se mesmo
de baixa qualidade dos produtos químicos e do papel do filme dos rolos de
fotografia. Infelizmente, pois documentei encontros importantes com cientistas
do laboratório onde Ivan Pavlov havia trabalhado em suas fundamentais
descobertas para a fisiologia dos reflexos condicionados. A São Petersburgo da
época em que Pavlov trabalhou e tornou-se um ícone da medicina e fisiologia
mundiais já era tão bela quanto hoje. Seus laboratórios ocupam grandes espaços
próximos ao centro desta belíssima cidade banhada pelo Mar Báltico.
São Petersburgo é uma cidade mais bela do que Moscou. Muitos a
consideram uma das mais belas do mundo, rivalizando com Veneza ou Amsterdã,
suas concorrentes mais diretas, dada a existência dos inúmeros canais marítimos
ou fluviais. Fica no delta do Rio Neva, quando este desemboca no Mar Báltico, na
entrada do Golfo da Finlândia. Foi construída pelo Czar Pedro I, o Grande e,
oficialmente fundada em 27 de maio de 1703. Entre 1713 e 1918 tornou-se oficialmente
a capital do Império Russo. Em sua construção morreram milhares de
trabalhadores em decorrência das profundamente insalubres condições do lugar.
Pantanoso, lamacento, com clima extremamente úmido, muitos pontos de água salobra,
milhares de homens morreram de doenças como gripes, pneumonia, infecções,
desnutrição, diarreias, desidratação, exaustão, doenças transmitidas por
parasitas e insetos. Os trabalhadores eram tratados a pão e água, suas
condições de vida e execução das obras eram extremamente duras e desumanas.
Houve revoltas, porém sufocadas com violência. Poucos trabalhadores
sobreviveram até a data de sua inauguração. Foi a glória da vida de Pedro, o
Grande e a desgraça de milhares de trabalhadores.
A cidade é considerada a metrópole mais ocidentalizada da Rússia, assim
como a capital cultural do país. É a cidade mais setentrional do mundo com
população acima de um milhão de habitantes. Seu centro histórico e os
monumentos foram considerados Patrimônio da Humanidade, pela UNESCO. Seu
principal monumento é o museu Hermitage, um dos maiores do mundo, com mais de
três milhões de peças, que precisam se revezar para serem expostas em
decorrência da falta de espaço suficiente para todas. O Hermitage era o antigo
Palácio de Inverno dos czares, bem no centro da cidade, às margens do Rio Neva.
Seu aspecto é monumental, construído para demonstrar o poder do Império Russo.
Diversos foram seus arquitetos, mas o mais importante foi o italiano Bartolomeo
Rastrelli. Seu estilo é conhecido como Barroco Elizabetano. Sua fachada
principal tem 250 metros de largura. Tem 1.786 portas, 1.945 janelas, 1.500 quartos
e 117 escadarias, rivalizando com o Palácio de Versalhes, em Paris. Durante a I
Guerra Mundial, em fevereiro de 1917, este palácio foi o palco dos principais
acontecimentos político-militares da Revolução Russa, com a queda do Czar
Nicolau II e a subida ao poder do primeiro-ministro Alexander Kerensky. Em
outubro (calendário juliano) houve um golpe de estado dentro da Revolução e os
bolcheviques tomaram o poder, no dia 7 de novembro, no calendário gregoriano, tendo
Vladimir Ilitch Lênin à frente. O regime comunista perdurou por 74 anos, tendo
caído em 19 de agosto de 1991, com a subida ao poder de Boris Yeltsin.
Uma das razões da queda do império soviético foi por mim testemunhada: a
baixíssima qualidade de sua indústria e o resultado de mais de seis décadas de
economia planificada em planos quinquenais que arrasaram a economia e apagaram
criatividade de seus cidadãos, bloqueou a livre iniciativa. A coletivização
geral da economia foi um desastre, e o engessamento ideológico das mentalidades
trouxe a ruína tecnológica, científica e cultural para o país.
Quando visitei este belo e rico país, de tradições culturais, musicais,
literárias e artísticas únicas no mundo, pude constatar isso que assinalo. As
fotos abaixo são um pequeno exemplo, mais do que eloquente, do que um regime
totalitário, corrupto e incompetente, pode fazer para destruir uma cultura e
uma sociedade.
Cúpula da
Catedral de Santo Isaac, em Leningrado.
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Colunatas e Arco
do Triunfo na entrada da praça que dá acesso ao Palácio de Inverno.
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A praça defronte
ao Palácio de Inverno dos czares.
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O Palácio de
Inverno. Residencia dos czares. O último foi Nicolau II, assassinado com toda a
sua família pelos bolcheviques, em Ekaterimburgo, em 1918. Hoje é o Museu
Hermitage.
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O Palácio de
Inverno e seu obelisco, construído com ferros fundidos dos canhões tomados a
Napoleão Bonaparte, em 1812.
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Estátua equestre
de Pedro, o Grande. O czar que construiu São Petersburgo.
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O Cruzador
Aurora e seu famoso canhão sinalizador da Revolução Bolchevique.
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O Cruzador
Aurora, com seus canhões apontados para o Palácio de Inverno. Hoje é museu e
preservado como era.
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Com o diretor do Instituto de Fisiologia Ivan Pavlov de Leningrado. |
Na sala de trabalho que pertenceu da Ivan Petrovitch Pavlov. |
Com o diretor do Instituto de Fisiologia Ivan Pavlov em Leningrado. |
Sala de Ivan Pavlov em Leningrado. |
Sala de Ivan Pavlov em Leningrado. Pode-se observar a espessura das paredes para impedir que os ruídos prejudicassem as pesquisas com reflexos condicionados em cães. |
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