sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Fazenda do Brejão - sempre bela e bem cuidada



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Ao ver esta foto da fazenda do Brejão me emocionei. Vieram-me, imediatamente, grandes e inesquecíveis lembranças. Senti-me na obrigação de descrevê-las para que não se percam no tempo pela nossa breve passagem por este mundo. Retorno aos tempos de meu querido tio Luiz Corrêa, irmão de meu pai, Dilermando. Lembro-me muito bem da fazenda anterior de tio Luiz, o Timbó, onde grandes eventos familiares e sociais ocorreram. Entre eles, o casamento de minha prima Dalva Corrêa com o Dr. Luiz Trajano, natural de Iguatama, e de gratas memórias para os dorenses. Foi uma festa de arromba. Lembro-me de meu pai, flutuando em uma bóia, feita com câmara de ar de pneu de caminhão, num grande poço, ao lado da cachoeira e um riacho, bem nos fundos da fazenda. Todos se esbaldaram nas águas e no belíssimo quintal e frondoso pomar, antes do lauto banquete servido aos comensais pelos pais da noiva. Tio Luiz sempre foi um homem festeiro e gostava imensamente de receber bem seus convidados. Todos eram tratados como reis e príncipes. Foi lá pelos idos de 1953/4, se não me falha a memória. Algum tempo depois tio Luiz vendeu o Timbó e adquiriu o Brejão, que, segundo ele dizia, a fazenda era composta de terras muito melhores para o gado que a fazenda anterior. Eu estudara em Dores até fins de 1959. Em 1960, já estava morando com meus pais em BH. Em julho deste ano, nas férias, fui a Dores, como habitualmente fiz por muitos anos. Nesta ocasião, tio Luiz promoveu uma festa ainda melhor e mais ruidosa para comemorar o aniversário de sua esposa, tia Aurora Corrêa, irmã de meu avô materno. Todos se casavam entre primos nos idos do início do século XX. Ela comemorava, se não me engano, seus 50 ou 55 anos. Foi uma festa digna do Grande Gatsby, dessas que a cidade nunca mais se esquece. Tudo preparado de acordo com o figurino. A orquestra veio de ônibus de Dores para o Brejão. As melhores iguarias e bebidas imagináveis. Havia gente saindo pelo ladrão. Dizia-se que metade dos carros da cidade estava estacionada à margem da estrada da fazenda, indo até a estrada vicinal, já fora dos limites demarcados da estrada particular da mesma. A festa começou cedo, lá pelas 20 horas, com muita música e dança. Era uma alegria só. Confraternizações mil. Lá pelas tantas explodiu um carnaval de dar inveja a qualquer clube das cidades do Campo Grande. Confete, serpentina e lança-perfume (ainda era legal) eram as armas desta guerra maravilhosa. Terminou já com o sol alto no céu. Falou-se na mesma por anos a fio. O evento em mim tornou-se indelével e, vez ou outra, dele me lembro quando o tema Dores do Indaiá é retomado. Dessas coisas que a gente lê em Gabriel Garcia Marquez e outros ficcionistas do fantástico.
Outra lembrança imorredoura é de minhas inúmeras passagens pelo Brejão, geralmente em férias escolares. Gostava de conversar com tio Luiz nesta varanda tão bem retratada na foto. Havia bancos de madeira onde nos aconchegávamos após o jantar, que se dava ainda cedo, no máximo às 18 horas. Às 20 horas todos já estavam em seus leitos, pois a labuta rural começava cedo. A maioria se levantava entre 4 e 5 da manhã para enfrentar o rojão campestre. Tio Luiz gostava de conversar comigo, o que era recíproco. Apesar de ser um homem tipicamente do campo, acho que nunca visitou uma praia, era um homem instruído e culto, mesmo com baixa escolaridade formal. Seu pai, meu avô Sebastião Corrêa, praticamente expulsava os filhos de casa mal completados os estudos do primário, lá pelos 10 anos de idade. Um absurdo, mas era o seu costume. O que é incrível é que todos os seus filhos se tornaram cidadãos do bem. Tio Luiz gostava de conversar sobre os mais diversos temas, inclusive política (não era o seu forte). Mas o tema da medicina era recorrente, particularmente após minha entrada na Faculdade de Medicina da UFMG, em 1964. Trocávamos extensas figurinhas sobre os mais diversos aspectos das ciências médicas e seu interesse era elevado pelo tema. Numa das ocasiões ele contou um “causo” de um vaqueiro seu, que era metido a ser o “médico” de seus pares das fazendas vizinhas. Numa ocasião, ele medicou alguém, possivelmente com uma ferida infectada, com um medicamento que, em seu palavreado, chamava-se “terramedicina”, possivelmente se referindo ao antibiótico terramicina, muito comum naqueles tempos, em particular no tratamento do gado, em forma de injeções. Tio Luiz contava isto entremeado com discretas rizadas, bem ao seu estilo. Contava isto, ao mesmo tempo em que limpava as unhas das mãos com seu indefectível canivete, sempre a tiracolo. Tudo muito discretamente. Era um homem discreto e de estilo. Era o exemplo do homem bom. Eu o admirava muito. Particularmente pelo fato de ser o exemplo acabado do “self made man”, o que alias, muitos outros de sua geração também o foram. Ele era especial, não apenas por ser meu tio, mas pela aura de respeitabilidade que o cercava, com muita justeza, pelo seu caráter irretocável, pela sua simplicidade, pela sua ojeriza pelos mexericos e badalações na “corte” dorense, pelo seu amor pela família, pela sua dedicação ao trabalho, pela ajuda incansável aos amigos, parentes e conhecidos, por seus gestos de caridade na comunidade. Todos sabiam que, se precisassem dele, podiam contar com sua ajuda, na medida do possível, fique aqui bem claro. Sua dedicação aos pais, particularmente à sua mãe, Virgínia Angélica Fiúza, minha avó de tão queridas recordações, é uma de suas principais marcas registradas. Um homem de bem e para o bem. Um homem probo, quase tão probo quanto seu sogro Pedro José de Oliveira e Silva, que descrevo em meu blog, e meu bisavô materno. Deixou vasta e honrada descendência, meus primos dos quais tenho as mais gratas lembranças.
O terceiro fato que desejo relatar aqui, vivido nesta fazenda do Brejão, nesta mesma ocasião, foram minhas estadias aí, que duravam de 2 a 4 dias, se a situação o permitisse. Corria o mês de janeiro de 1965. Eu havia ido a Dores para ser um dos padrinhos de casamento de minha prima Celma Corrêa, que então se casava com o José Fernando Queiróz, de tradicional família dorense. Na verdade, eu fora representando meu pai, que havia sido convidado para ser o padrinho, mas, por motivos alheios à sua vontade, não pudera comparecer. Foi uma cerimônia belíssima, com recepção à altura nos salões do Clube de Dores. Como eu fiquei na cidade por uma boa temporada, estávamos em férias na faculdade, convidado pelo meu grande amigo e primo Pedro de Oliveira Corrêa, o Pedrão, fomos lá para o Brejão. Para mim tudo naquela época era festa e motivo de comemorações, tudo em volta de uma boa cerveja. Pois bem, o mês de janeiro daquele ano teve chuvas e veranico. De madrugada, levantávamos e lá ia eu acompanhando o Pedrão, em sua camionete OO7 (uma pick-up Willys), carregada de braúnas para o recolhimento do leite, quando ele apanhava os latões, que já estavam depositados em abrigos à beira das estradas vicinais das fazendas, coloca-os na carroceria, bem amarrados, e, lá pelo fim da manhã, chegava a Dores, na Av. da Saudade (mais conhecida como Beco do Cemitério) para fazer a entrega e aguardar a liberação dos papéis na Cooperativa, onde o leite era vendido. Pedrão comprava (ou era o intermediário na negociação) o leite dos fazendeiros vizinhos ao Brejão para vendê-lo para a Cooperativa. Um trabalho duro (para o Pedrão, já que ele não permitia que eu movesse um dedo sequer para ajuda-lo a carregar aqueles pesados latões), mas que era feito com um sorriso nos lábios e sempre uma conversa agradável sobre os eventos da noite anterior. Voltávamos para o Brejão após o almoço, em casa de tia Aurora ou de tia Conceição Corrêa, irmã de tio Luiz. À tarde começava a jogatina, na sala contígua à varanda vista na foto. Geralmente truco, buraco, às vezes poker. Com a participação de outras pessoas que estivessem ali naquele momento. Sempre havia alguém para nos acompanhar neste ingente e difícil trabalho. Numa tarde chuvosa de janeiro, jogando e ouvindo o rádio, não sei se emissora do Rio de Janeiro ou São Paulo, ouvi, pela primeira vez, aquela canção que se tornou o símbolo da rebeldia da jovem-guarda de então: “Quero que vá tudo para o inferno”, de Roberto Carlos. Confesso que, inicialmente a contragosto, acabei gostando da melodia que ficou em meu imaginário até hoje. A contragosto por que eu, na ocasião, militava em movimentos políticos estudantis de esquerda e nossos cantores e músicas preferidos passavam longe da jovem-guarda. Ficávamos com aqueles mais politizados que abordavam a situação social do País. Mas o ambiente de Dores em tudo facilitava a subversão das nossas convicções políticas e mandávamos tudo para o alto.
Éramos felizes e não sabíamos. Belos tempos que não voltam mais. A Dores do Indaiá daquele tempo não existe mais. É como uma Itabira de Carlos Drummond de Andrade: um retrato na parede. A fazenda Brejão continua bela, acredito que com novos ares, uma nova animação, novos personagens, papos e conversas diferentes daqueles ingênuos e românticos tempos. Apesar de bela, é outra fazenda. Enfim, o romantismo, para mim, se foi. Como diria Claude Lévy-Strauss, Tristes Trópicos. Acrescento eu, Tristes Tempos.
PS – O trabalho que meu primo José Eustáquio Corrêa, o Taquinho, fez de restauração da fazenda é digno dos maiores encômios. Numa época em que o patrimônio histórico de Dores vem sendo sistematicamente destruído, alguém imbuído desse espírito deve ser considerado um benfeitor da cidade. Parabéns a ele!

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