Ella Raines em Phantom Lady (A Dama Fantasma), 1944, de Robert Siodmak. |
Dessa forma, nesses filmes
há uma abundância de assaltos, roubos, sequestros, assassinatos, com a
participação de personagens que vivem no submundo das grandes cidades,
contraventores da lei, contrabandistas, fugitivos da justiça, com problemas
policiais de toda espécie, envolvidos com o tráfico e abuso de drogas ou
álcool, prostituição, corrupção em todos os estratos sociais (em particular
entre políticos, grandes empresários e policiais), tráfico de pessoas e,
sobretudo, são filmes carregados de mistério. Esses personagens poderiam muito
bem terem sido extraídos das páginas de tratados de Psiquiatria.
Gloria Grahame e Humphrey Bogart em In a Lonely Place (No Silêncio da Noite), 1950, dirigido por Nicholas Ray. |
Orson Welles e Charlton Heston em Touch of Evil (A Marca da Maldade), 1958, de Orson Welles. |
Um dos personagens mais marcantes do cinema noir é a presença da femme fatale (mulher fatal), uma mulher geralmente bela,
perversa, cínica, fria e calculista, com evidente transtorno de personalidade,
ora antissocial, ora narcísico, ora impulsivo-agressivo, dominadora, despótica,
que leva os homens à paixão e ao seu corolário, à perdição. O clima
"claro-escuro" é acentuado por uma fotografia expressionista de incrível
beleza plástica. Nas figuras abaixo algumas das mais famosas femme fatales do cinema noir.
Claire Trevor em Murder My Sweet (Até a Vista, Querida), 1944, de Edward Dmitryk |
Yvonne de Carlo e Burt Lancaster em Criss Cross (Baixeza), 1949, de Robert Siodmak. |
Yvonne de Carlo e Burt Lancaster em Criss Cross (Baixeza), 1949, de Robert Siodmak. |
Yvonne de Carlo e Burt Lancaster em Criss Cross (Baixeza), 1949, de Robert Siodmak. |
Ava Gardner em The Killers (Os Assassinos), 1946, de Robert Siodmak. |
Lizabeth Scott e Humphrey Bogart em Dead Reckoning (1947), de John Cromwell. |
Lizabeth Scott e Humphrey Bogart em Dead Reckoning (1947), de John Cromwell |
Lizabeth Scott. |
Ann Savage e Tom Neal em Detour, 1945, de Edgar G. Ulmer. |
Ann Savage e Tom Neal em Detour, 1945, de Edgar G. Ulmer. |
Humphrey Bogart e Mary Astor em The Maltese Falcon (O Falcão Maltês), 1941, de John Huston. |
Mary Astor em The Maltese Falcon (O Falcão Maltês), 1941, de John Huston. |
Alice Faye e Dana Andrews em Fallen Angel (Anjo ou Demônio?), 1945, de Otto Preminger. |
Linda Darnell e Dana Andrews em Fallen Angel (Anjo ou Demônio?), 1945, de Otto Preminger. |
John Garfield e Marie Windson em Force of Evil (Força do Mal), 1948, de Abraham Polonki. |
Rita Hayworth em Gilda, 1946, de Charles Vidor. |
John Dall e Peggy Cummins em Gun Crazy (Mortalmente Perigosa), 1950, de Joseph H. Lewis. |
John Dall e Peggy Cummins em Gun Crazy (Mortalmente Perigosa), 1950, de Joseph H. Lewis. |
Gloria Grahame e Glenn Ford em The Big Heat (Os Corruptos), 1953, de Fritz Lang. |
Gloria Grahame em The Big Heat (Os Corruptos), 1953, de Fritz Lang. |
Jean Peters em Pickup on South Street (Anjo do Mal), 1953, de Samuel Fuller. |
Humphrey Bogart e Lauren Bacall em The Big Sleep (À Beira do Abismo), 1946, de Howard Hawks. |
Humphrey Bogart e Lauren Bacall em The Big Sleep (À Beira do Abismo), 1946, de Howard Hawks |
Barbara Stanwick e Fred MacMurray em Double Indemnity (Pacto de Sangue), 1944, de Billy Wilder. |
Lana Turner e John Garfiel em The Postman Always Rings Twice (O Destino Bate à Sua Porta), 1946, de Tay Garnett. |
Lana Turner e John Garfiel em The Postman Always Rings Twice (O Destino Bate à Sua Porta), 1946, de Tay Garnett. |
Jean Simmons e Robert Mitchun em Angel Face (Alma em Pânico), 1953, de Otto Preminger. |
Joan Bennett e Edward G. Robinson em Woman in the Window (Um Retrato de Mulher), 1944, de Fritz Lang. |
Os diálogos são geralmente curtos, rápidos, cínicos e
sarcásticos, irônicos, agressivos. Geralmente não há heróis e muitas vezes o
personagem principal tem um fim trágico ou inesperado. Existe um período do
cinema pré-noir (ou proto-noir), até 1940,
e outro pós-noir (ou neo-noir), cujos
filmes foram produzidos depois de 1959 e continuam sendo realizados até os dias
atuais. O período clássico do noir começa em 1941 com o filme The Maltese Falcon (O Falcão Maltês), de John Huston e
termina em 1959 com Touch of Evil (A Marca da Maldade), de Orson Welles.
Muitos estão incluídos entre os melhores filmes de todos os tempos, alguns
escolhidos por unanimidade entre a crítica especializada.
O nome filme noir (ou cinema noir) foi criado
pelo crítico francês Nino Frank, em 1946, quando teve oportunidade, pela
primeira vez, de assistir a essas películas, em Paris, logo após o término da
II Guerra Mundial. Durante a guerra os filmes americanos não eram exibidos na
França, invadida pelas tropas nazistas, que só foi liberada pelos aliados entre
agosto a novembro de 1944. O nome noir foi dado tendo em vista suas
características cinematográficas: forte influência do expressionismo alemão, em
que o contraste claro-escuro era a tônica, o jogo luz-e-sombra era marcante,
com tomadas de cenas inusitadas, com iluminação indireta, projetando sombras
intensas na parede. Entre essas tomadas clássicas está a colocação da câmera no
chão filmando os personagens de baixo, ou situada no teto, abarcando uma cena
panorâmica, com uma visão peculiar, ao criar um clima psicológico intenso, ou
com a câmara situada em um canto do ambiente captando uma imagem de forte
conteúdo dramático, a presença frequente de janelas com persianas em que a luz
exterior ilumina parcialmente o ambiente e projeta as sombras das persianas nos
rostos dos personagens, gerando ainda maior dramaticidade. Apesar da fotografia
e cenários terem tido forte influência do expressionismo alemão, e de algumas vezes
observarmos cenários fixos, estes não são necessariamente deformados como na
arte cinematográfica germânica da segunda metade do século XX.
Expressionismo alemão - O Gabinete do Dr. Caligari, 1920, de Robert Wiene. |
|
Acentuando o clima noir há a temática policial e de suspense, com a presença de crimes de toda ordem, assassinatos, investigações tensas, além de, como escrevemos linhas acima, geralmente serem, em sua maioria, filmes em preto-e-branco. Algumas películas foram filmadas a cores, mas mantiveram o padrão do suspense noir. Neles encontramos personagens muitas vezes sinistros, de passado obscuro, tentando fugir deste passado que não é revelado, ou revelado em partes ou a conta-gotas até o fim. A plateia fica sempre na expectativa e o final pode ser desastroso para o personagem.
Muitos desses filmes tiveram a decisiva participação dos cineastas germânicos e
austríacos, fugidos do nazismo, a partir de 1933, com grande experiência na
direção de películas expressionistas germânicas, como Fritz Lang, Robert
Siodmak, Otto Preminger, Billy Wilder, Curtis Bernhardt, William Dieterle, e
outros menos conhecidos (Billy Wilder e Otto Preminger eram austríacos, mas
fizeram carreira na Alemanha ). Todos demonstraram a marca da genialidade em suas
obras. Diretores norte-americanos nativos e outros europeus emigrados também
passaram a dirigir grandes filmes, dos quais podemos citar uma verdadeira
constelação deles, alguns também considerados gênios do cinema: John Huston,
Alfred Hitchcock, Orson Welles, Howard Hawks, Raoul Walsh, Henry Hathaway, Elia
Kazan, Jules Dassin, Edward Dmytrik, Michael Curtiz, Charles Vidor, John Brahm,
John M. Stahl, Tay Garnett, Robert Wise, Joseph L. Mankiewicz, Victor Fleming,
Jacques Tourneur, Sam Wood, Bretaigne Windust, László Benedek, William
Keighley, Edmund Goulding, Anthony Mann, Joseph Losey, George Cukor, Douglas
Sirk, Jean Negulescu, Robert Montgomery, John Cromwell, Delmer Daves, Anatole
Litvak, Lewis Allen, Ted Tetzlaff, e outros.
John Huston (1906-1987) |
Fritz Lang (1890-1976) |
Robert Siodmak (1900-1973) |
Billy Wilder (1906-2002) |
Jacques Tourneur (1904-1977) |
Nicholas Ray (1911-1979) |
Orson Welles (1915-1985) |
Nino Frank, em sua primeira análise publicada em jornais parisienses, em 1946,
dizia que “...esses filmes pertencem ao que era conhecido como gênero de filmes
de detetives, e de hora em diante seria melhor chama-los estórias e aventuras
de crimes, ou, melhor ainda, de psicologia
criminal” (Borde e Chaumeton, p.1).
Os primeiros filmes que os franceses assistiram de meados de 1946 a início de
1947 foram: The Maltese Falcon (O Falcão Maltês - John Huston), Laura (Laura - Otto Preminger), Murder My Sweet (Até a Vista Querida - Edward
Dmitryk), Double Indemnity (Pacto de Sangue – Billy Wilder) e The Woman in the
Window (A Mulher do Quadro -
Fritz Lang). Poucos meses depois, os filmes, This Gun for Hire (Alma Torturada - Frank Tuttle), The Killers (Assassinos - Robert Siodmak), The Lady in the Lake (A Dama do Lago - Robert Montgomery), Gilda (Gilda - Charles Vidor), The Big Sleep (À Beira do Abismo - Howard Hawks),
obrigaram o publico a aceitar a ideia do nome de filme noir. Uma nova
“série” estava emergindo na história do cinema, segundo Borde e Chaumeton.
O nome consagrou-se definitivamente como filme ou cinema noir apenas em 1955, quando dois
críticos de cinema, também de Paris, Raymond Borde e Etienne Chaumeton,
publicaram o primeiro livro sobre este gênero cinematográfico cujo título é A Panorama of
American Film Noir – 1941-1953 (tradução
para o inglês), editado em San Francisco, pela City Light Books. Tornou-se um
clássico sobre o tema e referência obrigatória de todos os autores subsequentes
que publicaram (e continuam publicando sobre o cinema noir). Este tipo
de filme tornou-se objeto de veneração por parte de milhares de pessoas por
todo o mundo. Atualmente, há nas cidades de Los Angeles e San Francisco, nos
Estados Unidos, um festival anual de cinema noir patrocinado pela Film Noir Foundation,
uma entidade independente dos grandes estúdios americanos.
A temática psiquiátrica e/ou psicológica nesses filmes domina praticamente toda
a sua produção histórica. Em uma obra muito importante sobre o cinema noir, dois autores
espanhóis, Carlos F. Heredero e Antonio Santamarina, intitulada El Cine Negro –
Maduración y crisis de la escritura clássica, publicada em Barcelona pela
Editora Paidós, em 1996, fazem uma análise artística, sociológica, cultural,
política e psicológica dos tempos em que vicejou o cinema noir. Tornou-se
também outra obra de referência sobre o tema. Dentre alguns fatores apontados
por eles para o surgimento desse gênero cinematográfico podem ser citados:
1- Do ponto de vista
histórico, o caldo de cultura que propiciou o surgimento da corrupção em larga
escala e da criminalidade por todos os estratos sociais nos Estados Unidos das
décadas de 1920 e 1930, vieram associados ao enfraquecimento do Neal Deal (a política de recuperação econômica
americana após o crash da bolsa de 1929, estabelecido pelo governo de Franklin
Delano Roosevelt) o que deteriorou a estrutura da sociedade norte-americana. Em
seguida, os acontecimentos que levaram os americanos à premonição da II Guerra
Mundial foram o pano de fundo das mudanças cinematográficas que já vinham
acontecendo em Hollywood. O mundo do cinema já tinha passado pela fase dos
filmes de gângsteres, pela fase dos filmes de penitenciárias e de detetives,
onde, após muitas críticas de parte da sociedade e de entidades religiosas e
políticas que apontavam uma perigosa proximidade entre a delinquência social e
a criminalidade cinematográfica, Hollywood se viu sob fogo cerrado que ameaçava
seus negócios. Havia até quem apontasse uma certa apologia ao crime, notadamente
durante o período da Lei Seca, feita por certos estúdios hollywoodianos. Havia
a necessidade, portanto, de mudança de rumos, no sentido de roteiros que
enfatizassem o princípio de que o crime não compensa, o criminoso teria de ser
punido no cinema pela morte ou pela permanência na penitenciária, não havia
lugar para tolerância para com aqueles que viviam à margem da lei. Passou-se a
valorizar a figura do policial honesto em luta contra os policiais corruptos,
marca registrada das eras cinematográficas hollywoodianas anteriores. O povo
estava sedento de vingança contra os bandidos, os fora-da-lei, os escroques,
contrabandistas, corruptores e corruptos, vigaristas e, principalmente, contra
aqueles que manifestassem caráter psicopático. Mas isso começou a ser feito de
uma forma muito peculiar que gerou um gênero cinematográfico sui-generis. Nem
sempre havia a vitória do bem, mas é certo também que o mal não poderia
triunfar (Heredero e Santamarina, p.205).
2- Havia a necessidade de
um distanciamento entre a realidade histórica e sua representação mítica em
termos narrativos. É exatamente essa representação, os modos e a linguagem pela
qual ela se expressa, que configuraram a grande diferença e o desafio que o
cinema noir mantem frente ao conjunto da produção
clássica dos grandes estúdios hollywoodianos nos períodos anteriores. Os
autores citam David Bordwell que as denominou de “pautas de não-conformidade”,
que questionam ou se opõem aos valores dramáticos, morais, narrativos e
estéticos do cinema dominante e que rompem também com os moldes e com as
estruturas mantidas pela série criminal da década anterior. Essas pautas
dissidentes seriam identificadas com (p.205):
a- Ruptura da causalidade psicológica,
b- Desafio à predominância masculina no
romance heterossexual,
c- Ataque à motivação do “final feliz”,
d- Crítica à técnica e ao estilo
clássicos.
Quanto ao primeiro ítem, a
autoconsciência existencial dos protagonistas e a proliferação de assassinos atraentes,
policiais venais, heróis desorientados, violência gratuita e ações confusas são
alguns dos fatores que subvertem as convenções clássicas na definição
psicológica dos personagens e no ordenamento lógico da ação.
O segundo, conforme
Heredero e Santamarina dizem (p.206),
"...o desafio que
introduz a expressão da sexualidade feminina como elemento perturbador da
segurança masculina – aqui entra a figura da femme fatale (mulher fatal) – enfrenta os homens
com uma incerteza psicológica e de objetivos, tanto sexuais como emocionais,
que, até então, era patrimônio quase exclusivo da representação cinematográfica
tópica do universo das mulheres”. Aqui, o cinema noir quebra a firmeza
característica do herói masculino, bem como pode ser visto, paradoxalmente,
como uma incisão de caráter subversivo na caracterização cinematográfica
tradicional dos papeis sexuais".
O terceiro ítem, referente
à dificuldade para impor desde fora e, especialmente, para encontrar no âmago
das histórias o “final feliz” estereotipado é uma consequência natural de uma
construção dramática que minou, previamente, toda confiança na restauração dos
valores morais dominantes e que atribuiu aos seus contrários de forma tal que
aparecem como poderosos, atraentes ou irresistíveis para a natureza humana. A
estrutura e os mecanismos geradores de sentido dinamitam, no cine noir, a motivação
lógica ou sequencial da qual necessita o “happy ending” (Heredero e
Santamarina, p.206).
No quarto e último item,
Heredero e Santamarina (p.206), citando Bordwell (1985) sugerem que:
“A introdução de
procedimentos de caráter narrativos de caráter subjetivo (voz em off, flash-backs,
pontos de vista identificados com a câmera, etc.) e o desdobramento de um
estilo impregnado de inestabilidade visual, baseada sobre composições de
leitura ‘borrada’ (tanto por sua iluminação como pela natureza dos
enquadramentos), tornam incompatíveis estas ficções com o desenvolvimento
convencional ou previsível das histórias e, sobretudo, ‘desafia a neutralidade
e a invisibilidade’ do estilo clássico. ”
Num preâmbulo ao clássico
de Borde e Chaumeton, o crítico norte-americano James Naremore (p. XIV) faz uma
interessante análise dessa obra seminal:
Em outros momentos no Panorama,
todavia, Borde e Chaumeton tratam o filme noir como se pudesse ser definido como um
estilo artístico ou um fenômeno sociológico. Algumas vezes eles o fazem parecer
menos como uma série frouxamente conectada do que como uma representação
anti-gênero representando o outro lado da face de Hollywood. Eles acentuam, por
exemplo, que diferentemente dos típicos procedimentos policiais, o noir é frequentemente colocado do ponto de
vista do criminoso, que algumas vezes desperta nossa simpatia. Mesmo quando o
personagem central está do lado correto da lei, ele é frequentemente um
policial corrupto, um detetive particular de moralidade ambígua, ou o “homem
errado” acusado de um crime. (Alfred Hitchcock especializou-se no último desses
tipos, até seu mais conhecido show de televisão do tipo noir, na década
de 1950, que pavimentou o caminho para Psicose (1960). Em quase todos os níveis, como
Borde e Chaumeton demonstram, o filme noir inverte as fórmulas de Hollywood: em
lugar de fazer narrativas diretas com personagens claramente identificados, ele
nos dá ações complicadas, impregnada de por figuras ambíguas cuja psicologia
pode ser enigmática; em lugar de heróis firmes, ele oferece protagonistas de
meia-idade e “não particularmente bonitos”, que sofrem, antes do final feliz
obrigatório, “surras estarrecedoras”, e no lugar de heroínas virginais ou
domesticadas, ele apresenta um leque de femmes fatales,
descendentes modernas da Julieta de Sade, que contribuem para uma preponderante
“erotização da violência”.
Naremore continua sua
análise da visão de Borde e Chaumeton, assinalando que “toda essa incoerente
brutalidade cria algo semelhante a um sonho". Muitos dos filmes noir são dedicados aos sonhos, ou ficam nas
margens dos sonhos, em uma área limítrofe de escuridão, memória e desejo
frequentemente representados através de flashbacks e narrativas em primeira pessoa (Borde
e Chaumeton, p. XVI).
Continuam esses dois
grandes críticos franceses em sua descrição das características marcantes do
noir (1955, p.5):
“É
a presença do crime que dá ao filme noir sua mais destacada estampa. ‘O
dinamismo da morte violenta’, como Nino Frank observara, é levada à sua mais
expressiva excelência. Chantagem, roubo de informações, furto ou tráfico de
drogas pavimentam a estrada de uma aventura cujo limite final é a morte. Poucas
séries na história do cinema têm, em apenas sete ou oito anos, acumulado tantos
atos terríveis de brutalidade e assassinato. Sórdida ou estranha, a morte
sempre emerge no fim de uma jornada tortuosa. O filme noir é um filme da morte,
em todos os sentidos da palavra”.
Edgar Allan Poe (1809-1849) |
Sua influência mais próxima vem dos folhetins extremamente populares das décadas de 1920 e 1930 sobre histórias de detetives, crime, mistério e suspense, cujo primeiro autor foi Dashiell Hammett, cujos primeiros textos surgiram por volta de 1925. Ele é considerado o criador, na nova literatura americana, de textos que lembram os de Georges Simenon na língua francesa (o criador do famoso inspetor Maigret). Foi Hammett quem escreveu o folhetim, depois transformado em roteiro cinematográfico para um filme noir de capital importância: The Maltese Falcon (O Falcão Maltês), de 1944. Tais folhetins receberam o nome de hard-boiled (ovos cozidos duros), em função de sua temática detetivesca, de mistério, suspense e crime.
Dashiel Hammett (1894-1961) |
Outro
autor de folhetins também teve influência marcante no roteiro dos filmes noir:
W.R. Burnett, autor de, entre outros, dos roteiros de Little Caesar (Alma no Lodo, um filme de gângsteres
de 1930), e The Asphalt
Jungle (O Segredo das
Jóias), de 1950.
Willian Riley Burnett (W. R. Burnett) (1899-1982) |
Um
nome fundamental dentre todos os escritores e roteiristas foi James M. Cain
que, além de ser considerado um dos fundadores do gênero, escreveu os clássicos Double Indemnity (já citado) e The Postman Always Rings Twice (O Carteiro só Toca Duas Vezes, de
1945, um clássico sob a direção de Gay Tarnett).
James M. Cain (1892-1977) |
Raymond
Chandler também foi outro escritor e roteirista extremamente talentoso e
responsável por obras imortais como The Lady in
the Lake (A Mulher do
Lago - Robert Montgomery), The Big
Sleep (À Beira do Abismo - Howard Hawks), The Blue Dahlia (A Dália Azul - George Marshal). Foi
também o responsável por adaptações clássicas como as de Double Indemnity (escrito por James M. Cain) e Strangers on a Train (Pacto Sinistro - Alfred Hitchcock).
Jonathan Latimer foi também outro autor de roteiros de importância.
Raymond Chandler (1888-1959) |
Escritores,
como Graham Greene e Eugene O'Neil, tiveram não apenas suas obras
adaptadas para o cinema noir,
como também trabalharam como roteiristas. Graham Greene legou-nos o roteiro
daquele que considero o melhor noir de todos os tempos: O Terceiro Homem.
Grahan Greene (1904-1991) |
Eugene O'Neil (1888-1953) |
Enfim, o cinema noir é a
quintessência da psicopatologia aplicada à sétima arte. Uma verdadeira seleção
de personagens inesquecíveis, de caráter profundamente patológico, que podem
nos seduzir no sentido da admiração e da cumplicidade, mas também
para a repulsa, o ódio ou o pavor. Aqueles que se interessam pela conexão
psiquiatria e cinema não podem deixar de conhecer essas obras-primas, agora
pertencentes à história universal da sétima arte.
Fontes:
2-
Heredero, Carlos e Santamarina, Antonio. El Cine Negro. Maduracion y crisis de
la escritura clásica. Barcelona. Editorial Paidós, 1996.