18 de dezembro de 1937. Casamento de Dilermando e Maria, em Dores do Indaiá. |
O dia 18 de dezembro tem
vários significados importantes para mim. Se vivo fosse, meu pai Dilermando,
completaria 104 anos (em 2016). Nascido no ano da Graça de 1912, em Dores do Indaiá, quando
do afundamento do Titanic, às vésperas da I Guerra Mundial, meu pai foi um
homem do mundo. Apesar de iletrado, estudou apenas quatro anos do ensino
fundamental (Grupo Escolar), já que meu avô praticamente expulsava de casa os
filhos quando estes concluíam o curso primário, meu pai adquiriu alguns
conhecimentos gerais básicos que o tornaram popular e querido dentre os que o
conheceram.
Seu sonho era ser médico, meta impossível de se concretizar dadas
as circunstâncias sócio-econômico-familiares em que vivia. Transferiu para mim
esta missão e, mesmo não podendo ajudar-me no custeio dos estudos, me
incentivava espiritual e moralmente, todo o tempo, constrangido por não poder
participar mais ativamente de minha formação, mas orgulhoso por ter um filho
futuro médico. Quando me graduei em medicina, em 1968, senti como se ele
estivesse ali a receber o diploma e, de certa forma, eu ali o representava,
mais que a mim mesmo. Vivi toda a emoção e o orgulho que se lhe apossaram,
sentimento esse que permaneceu consigo até o fim, enquanto foi lúcido.
Curso primário em Dores do Indaiá (Ca. 1920). |
Curso primário em Dores do Indaiá (Ca. 1920). Dilermando é o segundo da esquerda para a direita. |
Tiro de Guerra em Dores do Indaiá (1930). |
Dilermando no início da década de 1930. |
Meu pai viveu intensamente
até a década de 60 do século passado. Após os seus 60 anos, a decadência física
e cognitiva foram-lhe consumindo lentamente os dias até torna-lo totalmente
dependente da família, quando, ao final, voltou a ser a criança que, na
verdade, nunca deixara de ser em adulto. Nunca foi um homem de sucesso nos
negócios, tendo mergulhado em vários ramos de atividades profissionais que nada
tinham a ver com sua real vocação: ser médico. Rodou meio mundo, ora como
educador de sobrinhos, ora como sócio ou administrador de patrimônio dos
irmãos, ora como comerciante, ora como radialista, ora como dirigente de time
de futebol, ora como caixeiro-viajante, ora como técnico agrícola, ora como,
pasmem, médico de roça. Entretanto, os insucessos na carreira nunca
quebrantaram seu moral. Era sempre aquela pessoa afável, de fácil trato, de bem
com a vida, mesmo vivendo momentos de grande sofrimento. Sempre me impressionou
muito esta sua capacidade de superar as adversidades, de resiliência, sem ficar
a resmungar pelos cantos. Nisto, ele foi um mestre.
Conheceu minha mãe, Maria de
Oliveira, ainda muito jovem, pois eram primos em terceiro grau. Casaram-se no
dia 18 de dezembro de 1937, sua data natalícia, em Dores do Indaiá, onde viveu
por alguns anos. Voltou para São Paulo, mais especificamente para Barretos, onde havia vivido e trabalhado anos
antes. Retornou a Minas Gerais em 1947 e aqui continuou sua labuta. Perdeu sua
esposa em 12 de agosto de 1950, o que lhe causou grande consternação. Morava
agora em Luz, Minas Gerais, o antigo Aterrado, que se tornara independente de
Dores do Indaiá em 1922. Mas, venceu mais esta.
Dilermando em Santos (SP) na década de 1930. |
Em 18 de dezembro de 1951,
quis o destino assinalar-lhe, mais uma vez, sua presença em sua data natalícia:
casou-se, em segundas núpcias, com Walzita Mendes de Menezes, de tradicional
família de Luz. Ela, filha do conceituado comerciante Manoel Mendes, o
Manoelzinho, proprietário da tradicional “Casa do Manoelzinho”, homem cuja
honradez ultrapassava, em muito, os limites de seu município.
Manoel Mendes era
irmão de José Mendes, honrado cidadão de Dores do Indaiá, de João Mendes, um
dos pioneiros de Esteios, então distrito de Luz, e de Sabina Mendes, grande
matriarca em Estrela do Indaiá. Walzita era filha de Pautilha Menezes, primeira
esposa de Manoel Mendes, falecida muito precocemente, ainda no esplendor de sua
juventude e beleza. Pautilha era irmã de Gessy Menezes, dentista e
radio-amadorista em Goiânia.
Os Menezes são descendentes diretos de Joaquim
José da Silva Xavier, o Tiradentes. Walzita, de quem sou enteado, mas que considero
como uma segunda mãe, está viva, ativa e produtiva, do alto de seus gloriosos
95 anos. Seu aniversário, curiosamente, é no dia 13 de outubro, exatamente o
aniversário de minha mãe, Maria. Coincidência? O Arcanjo Miguel ainda não me
informou.
Pautilha Menezes e Manoel Mendes, pais de Walzita. |
18 de dezembro de 1951. Casamento de Dilermando e Walzita, em Belo Horizonte. |
18 de dezembro de 1951. Casamento de Dilermando e Walzita, em Belo Horizonte. |
A todos eles, onde quer que
estejam, brindo com um “tim-tim”.
Dedico-lhes, nesta
significativa data, os belos versos de António Botto, poeta português, que,
apesar de ter sido escrita em outro contexto, se aplica aqui como uma luva:
FONTE DO
POETA
"Nesta
fonte que fala na surdina
de
qualquer coisa que eu não sei ouvir
matei
agora mesmo a minha sede
e
sentei-me ao pé dela a descansar.
Não havia
no ar mais do que a luz
finíssima
da tarde num adeus...
uma luz
moribunda e solitária
a
despedir-se frágil pelos céus.
E à medida
que a luz se diluía
nas
sombras que nasciam lentamente
a fonte no
silêncio mais se ouvia,
mais
límpida, mais pura, mais presente.
Anoiteceu.
Ninguém só a voz dela
só essa
voz...ao longe num desmaio,
o timbre
vivo e pálido de um grito
levantei-me.
Deixei-a. Tristemente
acendeu-se
uma estrela no infinito."
António
Botto
Poema "A Fonte do Poeta", de António Botto, eternizada no mármore. Judiaria, Bairro da Alfama, Lisboa. Foto: Antônio Carlos Corrêa. |
A Fonte do Poeta, Judiaria da Alfama, Lisboa, Portugal. Foto: Antônio Carlos Corrêa. |
A Fonte do Poeta, Judiaria da Alfama, Lisboa, Portugal. Foto: Antônio Carlos Corrêa. |