sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Raposo Tavares, o maior bandeirante do Brasil


Há coisa de 2 meses descobrimos que a família Faria, de Dores do Indaiá, é descendente do bandeirante Manuel Preto, companheiro do maior bandeirante de nossa história, António Raposo Tavares. Muito se escreveu sobre Raposo Tavares e algumas obras, particularmente de historiadores “politicamente corretos” acusam o bandeirante de ter sido um dos maiores bandidos de nossa história, por ter ele sido responsável pela destruição das reduções jesuíticas do Guairá (hoje Paraná e Santa Catarina), com trucidamento de populações de índios carijós (da grande nação Tupi). Entretanto, outros historiadores têm uma visão um pouco diferente, como Taunay e Capistrano de Abreu.

O historiador que mais estudou e escreveu sobre Raposo Tavares foi o português Jaime Cortesão. Médico, político, escritor e historiador. Foi grande expoente da intelectualidade portuguesa nas primeiras décadas do século XX. Tinha posições ora de centro-esquerda. Escreveu importantes libelos e participou da luta contra a ditadura fascista de António de Oliveira Salazar, o que lhe granjeou o ódio da ditadura deste. Em consequência de perseguições políticas, asilou-se, inicialmente, na França, e, fugindo da invasão nazista, emigrou para o Brasil, em 1940, estabelecendo-se no Rio de Janeiro. Dedicou-se ao ensino universitário, especializou-se na história dos Descobrimentos Portugueses. Em 1952, organizou a Exposição Histórica de São Paulo, nos preparativos para comemorar o 4º. Centenário da cidade. Ficaram famosos seus cursos no Itamaraty na década de 1940, entre eles sobre nossa formação territorial, o desenvolvimento de nossa noção de nacionalidade e sobre as bandeiras. Em 1958 publicou o clássico Raposo Tavares e a Formação Territorial do Brasil (Rio de Janeiro, MEC, 1958), que se tornou a maior obra sobre este grande bandeirante.

Cortesão regressou a Portugal em 1957, envolvendo-se na campanha de Humberto Delgado, contra a ditadura de Salazar. Foi preso por 4 dias junto com outros famosos dissidentes. Neste mesmo ano foi eleito presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores. Faleceu em 1960. Em 30 de junho de 1980, em título póstumo, foi feito Grande-Oficial da Ordem da Liberdade e agraciado, naquele mesmo ano, com a Ordem do Infante D. Henrique.
Transcrevemos aqui uns dos trechos finais do livro de Jaime Cortesão. Por que o fazemos? Porque António Raposo Tavares é considerado o maior bandeirante de nossa história. Sua última bandeira é considerada a mais importante, que traçou princípios hoje considerados prototípicos de uma bandeira. Uma verdadeira epopeia, no sentido clássico do que isso quer dizer. Ele é hoje considerado um dos mais importantes desbravadores da história universal. Vamos ao que o grande historiador português tem a nos dizer sobre Raposo Tavares e, por tabela, sobre os bandeirantes em geral:


“LIBERTANDO RAPOSO TAVARES DE TRÊS SÉCULOS DE CONSPIRAÇÃO"
Jaime Cortesão

"A PERSONALIDADE de Raposo Tavares pertence à história de dois países — Portugal e o Brasil — que durante o século XVII, embora formando dois Estados, faziam parte da mesma comunidade nacional; à história da formação territorial e política do Brasil e, em geral, dos Estados sul-americanos; à história das grandes viagens descobridoras em todos os continentes; e, enfim, à história universal, já como um dos grandes realizadores do Estado moderno nas suas tendências para afirmar e alargar, por forma ilimitada, a soberania sobre os territórios dos Novos-Mundos, já como pioneiro na luta contra a subordinação das culturas naturais de cada raça, povo ou grupo social, a uma planificação estiolante, em nome de razões sobrenaturais.
Reduzido à sua expressão genérica, Raposo Tavares é um dos mais altos e lídimos representantes do português do século XVII, — bravo, cavaleiroso, plasmador e plástico, capaz de relances de grande visão política, e católico dum catolicismo sui-generis, sempre identificado com a consciência da grei.
O drama de Raposo Tavares e de muitos dos seus companheiros, radica na oposição veemente entre o estreito meio político em que se moviam as classes governantes da metrópole, educadas e dirigidas pela Companhia de Jesus e, por consequência, subordinadas a uma hierarquia rígida e teocrática de valores, e o meio social das chamadas capitanias do sul do Brasil e, mais que todas, a de São Vicente-São Paulo, onde um gênero de vida próprio, — o bandeirismo — permitiu a formação e o desenvolvimento dum novo conceito de vida, à livre lei da Natureza e dos interesses de grupo e algumas vezes de nação e, como consequência, a afirmação dos carateres mais fortes.
Contra Raposo Tavares e seus companheiros levantou-se a acusação de escravagistas, homens cruéis e hereges. Vamos por partes. Hoje todos condenamos as práticas escravagistas, embora nem todos tenham o direito de fazê-lo.
Quantos juízes farisaicos condenam no passado os crimes que praticam e aceitam, sob outras e mais evoluídas formas, no presente... Mas, de qualquer sorte, ao ditar semelhante sentença, fazêmo-lo em nome duma consciência pessoal e contemporânea. Situados os fatos no terreno histórico, o caso muda de semblante. Há que entendê-los e julgá-los apenas como fase duma evolução das sociedades e, por consequência, da moral.
Lembremo-nos de que naquela época a Igreja e os Estados ainda não condenavam a escravidão dos negros e nem a Companhia de Jesus deixou de a praticar, e muito largamente, na África portuguesa e no Brasil. Proclamar que os jesuítas defendiam a liberdade dos índios, em nome dum conceito integral dos direitos humanos, é igualmente farisaísmo.
Entendemos, pois, que era necessário colocar os bandeirantes dentro da moral da sua época e das determinantes do seu meio geográfico, econômico e social; e medi-los, por comparação, com os seus maiores inimigos, os jesuítas espanhóis.
Entendemos que para estudar a figura de Raposo Tavares e, por forma geral, dos bandeirantes, integrando-os, como lhes cabe de pleno direito, na história da expansão geográfica e da política nacional, era necessário despi-los da grosseira e falsa vestimenta, que os havia degradado:
a) a meros agentes de Satanás;
b) a escravagistas, dominados pela mais baixa cupidez;
c) a bandoleiros, sem mistura doutros sentimentos, que não fossem a crueldade assassina, a impiedade e o cinismo.
Nem tudo foi lama nos bandeirantes de São Paulo; nem tudo ouro nos jesuítas espanhóis. Ao contrário, uns e outros foram amassados num barro mais ou menos semelhante e, por isso mesmo, mais ou menos suscetíveis de todas as paixões humanas, nem sempre nobres. E, se nunca negamos heroísmo, capacidade de sacrifício e sublimidade de esforço, levado algumas vezes até à santidade, a muitos jesuítas, entendemos que era dever de verdade e de justiça apontar os bandeirantes como eles foram, tantas vezes tipos sobre-humanos, pela inaudita capacidade de energia, perseverança, e eles também, de generosidade, isenção e sacrifício.
Foram cruéis ? Por certo. Como cruel foi o homem do século XVII e o de todos os tempos. Mas, tantas das acusações de crimes abomináveis, imputados aos bandeirantes, foram, como vimos, quando não facilmente acreditadas pelos jesuítas, na fé do que diziam os índios, incapazes de discernir entre o real e o imaginado, adrede forjadas pelo Pe. Montoya e outros dos seus confrades, com declarado propósito de denegrir os inimigos. Estão neste caso as cenas horripilantes, mas puramente invencionadas, do massacre dos inocentes na redução de Jesus Maria.
Que eles obedecessem, por vezes, a instintos bárbaros e violentos, que em todos os tempos a guerra e a aventura perigosa desencadearam, acreditamos. Era inevitável.
Lembremo-nos, não obstante, que por essa mesma época funcionava o chamado Santo Ofício da Inquisição de Lima, que atingiu as mais espantosas proporções da fria e calculada exploração do medo pela crueldade, com fins políticos ou de ciúme comercial, infamando e condenando à fogueira os mesmos católicos, apenas porque eram portugueses e ricos.
Lembremo-nos ainda que os jesuítas espanhóis colaboraram intimamente com este Santo Ofício; que pretenderam destruir o bandeirismo valendo-se da Inquisição; e que, por 1639, no auge da expansão bandeirante, o Comissário do Santo Ofício de Lima, Superior das reduções do Uruguai e do Tape, as mais visadas por então, era o Pe. Diogo de Alfaro, que exercia o cargo em ódio contra os portugueses.
Foram hereges, no sentido em que o entendiam os jesuítas daquele tempo? De modo algum. Eram católicos, a seu modo. Ou seja do mesmo modo que os sacerdotes seculares, ou os frades do Carmo e de São Bento que acompanhavam e partilhavam das bandeiras: ou os franciscanos que, em 1640, e em São Paulo, se colocaram ao lado dos paulistas quando estes expulsaram os jesuítas.
Que os bandeirantes eram capazes de atos de piedade e respeito com os próprios jesuítas espanhóis, e quando ainda se não apagara o calor da refrega, provamos nas páginas anteriores.
Hereges ?! Mas, descontando ainda as agravantes dos casos que apontamos, haverá maior heresia que condenar, em nome de Deus. à infâmia e a morte pelo fogo, os que acreditam em Deus, sob outro nome? Haverá maior violência, mais inumana tirania, que atingir, para além do corpo, os direitos mais sagrados da consciência, negando os próprios fundamentos do cristianismo ?!
Como chefe de bandeira, descobridor dum continente, com fins de Estado e em nome duma nação que criou a palavra Descobrimento e lhe deu categoria nobre, Raposo Tavares não tem quem o supere.
Dando ainda os primeiros ou decisivos golpes nos vacilantes edifícios que os jesuítas do Paraguai haviam construído no Guairá, no Itatim e no Tape. Negando-lhes o direito de ocupação e defesa armada de territórios de soberania, àquela data duvidosa, Raposo Tavares dilatava o Brasil até aos confins que a geografia e a cultura aborígines lhe apontavam, dava-lhe estrutura orgânica e, com mais de um século de antecedência, preparava a obra de Alexandre de Gusmão e dos grandes construtores do Estado brasileiro.
Negando aos jesuítas aquele mesmo direito de defesa armada, Raposo Tavares solidarizava-se profundamente com o espírito de protesto reinante entre os espanhóis de Assunção e de Buenos Aires; influía na laicização dos povos hispano-americanos; e abria juntamente o caminho a Pombal e Aranda.
Em luta contra os jesuítas portugueses, ele (Raposo Tavares) encarnou e defendeu o princípio da supremacia da jurisdição civil sobre a eclesiástica; em luta com os jesuítas espanhóis, o primado, não só daquela jurisdição, mas duma soberania nacional, superior a qualquer hierarquia religiosa, desde que não colidisse com os princípios do direito natural.
Sob esse aspecto, ele situa-se na linha revolucionária, dentro da qual evoluiu e se afirmou o Estado moderno.
Melhor do que D. João IV e seus conselheiros, ele defendeu juntamente o espírito da grei, fiel à tradição da aventura descobridora; e os interesses duma nação, para quem a expansão do Estado nos Mundos-Novos representava um impulso e uma necessidade vitais. Enfim, Raposo Tavares pertence à história universal como defensor, contra a teocracia jesuítica, exercida sobre os índios e não índios, duma ética de compreensão dos valores próprios de cada cultura e, por consequência, duma das formas da liberdade — a de ser homem, na afirmação dos valores próprios e herdados, fora duma planificação religiosa estranha e imposta.
Sobre a memória de Raposo Tavares pesou durante cerca - de três séculos a conspiração do silêncio, urdida pelos jesuítas e consentida pelos governantes de Lisboa, contra o homem que uns e outros consideravam o inimigo nº 1 do Estado, ou melhor, duma - das suas instituições fundamentais naquela época — a Companhia de Jesus.
Poderosa mão a dos filhos de Santo Inácio! De tal sorte que, ao terminar esta obra, temos a sensação de haver levantado, com pesado esforço, a tampa de granito dum sepulcro, onde um gigante dormisse.”
Este texto encontra-se disponível em: http://www.bandeirantes-sp.com.br/estudos6.html#

Nenhum comentário:

Postar um comentário