terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Meu pai, Dilermando Corrêa de Souza

18 de dezembro de 1937. Casamento de Dilermando e Maria,
em Dores do Indaiá.


O dia 18 de dezembro tem vários significados importantes para mim. Se vivo fosse, meu pai Dilermando, completaria 104 anos (em 2016). Nascido no ano da Graça de 1912, em Dores do Indaiá, quando do afundamento do Titanic, às vésperas da I Guerra Mundial, meu pai foi um homem do mundo. Apesar de iletrado, estudou apenas quatro anos do ensino fundamental (Grupo Escolar), já que meu avô praticamente expulsava de casa os filhos quando estes concluíam o curso primário, meu pai adquiriu alguns conhecimentos gerais básicos que o tornaram popular e querido dentre os que o conheceram. 

Seu sonho era ser médico, meta impossível de se concretizar dadas as circunstâncias sócio-econômico-familiares em que vivia. Transferiu para mim esta missão e, mesmo não podendo ajudar-me no custeio dos estudos, me incentivava espiritual e moralmente, todo o tempo, constrangido por não poder participar mais ativamente de minha formação, mas orgulhoso por ter um filho futuro médico. Quando me graduei em medicina, em 1968, senti como se ele estivesse ali a receber o diploma e, de certa forma, eu ali o representava, mais que a mim mesmo. Vivi toda a emoção e o orgulho que se lhe apossaram, sentimento esse que permaneceu consigo até o fim, enquanto foi lúcido.


Curso primário em Dores do Indaiá
(Ca. 1920).

Curso primário em Dores do Indaiá (Ca. 1920).
Dilermando é o segundo da esquerda para a direita.

Tiro de Guerra em Dores do Indaiá (1930).


Dilermando no início da década de 1930.


Meu pai viveu intensamente até a década de 60 do século passado. Após os seus 60 anos, a decadência física e cognitiva foram-lhe consumindo lentamente os dias até torna-lo totalmente dependente da família, quando, ao final, voltou a ser a criança que, na verdade, nunca deixara de ser em adulto. Nunca foi um homem de sucesso nos negócios, tendo mergulhado em vários ramos de atividades profissionais que nada tinham a ver com sua real vocação: ser médico. Rodou meio mundo, ora como educador de sobrinhos, ora como sócio ou administrador de patrimônio dos irmãos, ora como comerciante, ora como radialista, ora como dirigente de time de futebol, ora como caixeiro-viajante, ora como técnico agrícola, ora como, pasmem, médico de roça. Entretanto, os insucessos na carreira nunca quebrantaram seu moral. Era sempre aquela pessoa afável, de fácil trato, de bem com a vida, mesmo vivendo momentos de grande sofrimento. Sempre me impressionou muito esta sua capacidade de superar as adversidades, de resiliência, sem ficar a resmungar pelos cantos. Nisto, ele foi um mestre.

Conheceu minha mãe, Maria de Oliveira, ainda muito jovem, pois eram primos em terceiro grau. Casaram-se no dia 18 de dezembro de 1937, sua data natalícia, em Dores do Indaiá, onde viveu por alguns anos. Voltou para São Paulo, mais especificamente para Barretos, onde havia vivido e trabalhado anos antes. Retornou a Minas Gerais em 1947 e aqui continuou sua labuta. Perdeu sua esposa em 12 de agosto de 1950, o que lhe causou grande consternação. Morava agora em Luz, Minas Gerais, o antigo Aterrado, que se tornara independente de Dores do Indaiá em 1922. Mas, venceu mais esta.



Dilermando em Santos (SP) na década de 1930.


Em 18 de dezembro de 1951, quis o destino assinalar-lhe, mais uma vez, sua presença em sua data natalícia: casou-se, em segundas núpcias, com Walzita Mendes de Menezes, de tradicional família de Luz. Ela, filha do conceituado comerciante Manoel Mendes, o Manoelzinho, proprietário da tradicional “Casa do Manoelzinho”, homem cuja honradez ultrapassava, em muito, os limites de seu município. 

Manoel Mendes era irmão de José Mendes, honrado cidadão de Dores do Indaiá, de João Mendes, um dos pioneiros de Esteios, então distrito de Luz, e de Sabina Mendes, grande matriarca em Estrela do Indaiá. Walzita era filha de Pautilha Menezes, primeira esposa de Manoel Mendes, falecida muito precocemente, ainda no esplendor de sua juventude e beleza. Pautilha era irmã de Gessy Menezes, dentista e radio-amadorista em Goiânia. 

Os Menezes são descendentes diretos de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Walzita, de quem sou enteado, mas que considero como uma segunda mãe, está viva, ativa e produtiva, do alto de seus gloriosos 95 anos. Seu aniversário, curiosamente, é no dia 13 de outubro, exatamente o aniversário de minha mãe, Maria. Coincidência? O Arcanjo Miguel ainda não me informou.


Pautilha Menezes e Manoel Mendes, pais de Walzita.


18 de dezembro de 1951. Casamento de
Dilermando e Walzita, em Belo Horizonte.


18 de dezembro de 1951. Casamento de
Dilermando e Walzita, em Belo Horizonte.


A todos eles, onde quer que estejam, brindo com um “tim-tim”.

Dedico-lhes, nesta significativa data, os belos versos de António Botto, poeta português, que, apesar de ter sido escrita em outro contexto, se aplica aqui como uma luva:


FONTE DO POETA 

"Nesta fonte que fala na surdina
de qualquer coisa que eu não sei ouvir
matei agora mesmo a minha sede
e sentei-me ao pé dela a descansar.

Não havia no ar mais do que a luz
finíssima da tarde num adeus...
uma luz moribunda e solitária
a despedir-se frágil pelos céus.

E à medida que a luz se diluía
nas sombras que nasciam lentamente
a fonte no silêncio mais se ouvia,
mais límpida, mais pura, mais presente.

Anoiteceu. Ninguém só a voz dela
só essa voz...ao longe num desmaio,
o timbre vivo e pálido de um grito
levantei-me. Deixei-a. Tristemente
acendeu-se uma estrela no infinito."

António Botto


 
Poema "A Fonte do Poeta", de António Botto,
eternizada no mármore.
Judiaria, Bairro da Alfama, Lisboa.
Foto: Antônio Carlos Corrêa.

A Fonte do Poeta, Judiaria da Alfama,
Lisboa, Portugal. Foto: Antônio Carlos Corrêa.


A Fonte do Poeta, Judiaria da Alfama,
Lisboa, Portugal. Foto: Antônio Carlos Corrêa.

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