sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Confesso que vi





Este blog é dedicado às crônicas que tenho escrito no Facebook e outros blogs de minha autoria. Inicio com esta crônica escrita em junho de 2013, quando explodiram nas ruas do Brasil os movimentos populares de protesto contra os governos mais corruptos de nossa história, os do Partido dos Trabalhadores. Estas crônicas não têm um tema específico, abrangem desde política, artes, literatura, cinema, música, viagens, medicina, neurociências e outros temas que me interessam. Espero que os leitores gostem.




Confesso que vi

Após duas semanas em que, atônitos, eu e milhões de brasileiros, assistimos a este espetáculo de demonstração de democracia em todo o País, um belíssimo espetáculo, diga-se de passagem, não consegui me conter e lá fui eu para as ruas a testemunhar o que está ocorrendo. Não me arrependi e vi, com estes próprios olhos que a terra há de comer, o júbilo de exaltação à liberdade, do direito, da cidadania e da luta contra a injustiça e a opressão. Sim, vi a juventude de meu País dando-nos uma lição de como fazer para lutar contra todo o mal que nos assola há alguns anos. Um belo exemplo que está sacudindo a nação dado por pessoas de todas as idades, credos políticos e religiosos. Um espetáculo inesquecível.
Confesso que, já entrando na casa dos setenta anos, eu jamais imaginara que um dia veria o que vi. Foi de encher os olhos, dar um nó na garganta e, quase, chorar. Um mar de jovens, de todos os matizes sociais, não apenas da classe média, como muitos vêm dizendo, apesar desta classe ser a predominante. Vi crianças, jovens, pessoas maduras e idosos, irmanados em uma mesma causa: reivindicar um país melhor para todos. Aí sim, pus o dedo na ferida, não era um sonho televisivo ou midiático, e vi meu povo nas ruas defendendo seus direitos vilipendiados há dez anos.





Confesso que senti um arrependimento de não ter ido antes para as ruas. Demorei duas semanas para tomar tal atitude. Mas foi em tempo. Continuarei a fazê-lo, dado que considero mais que justas todas as reivindicações escritas em centenas de cartazes e faixas. Meu receio é um só: que essas reivindicações se percam exatamente por sua amplidão e falta de foco em algumas questões cruciais. Mas senti que o país não é mais o mesmo. O gigante adormecido acordou. Agora nada mais será como dantes. O orgulho de meu povo se apossou de mim. Eu, que andava tão desmotivado para a política, tão desesperançado com o rumo que as coisas tomaram ha muito tempo, tão enojado de nossos políticos e partidos, que já havia desistido de qualquer esperança, senti que renasci. Sim, percebi que nosso País tem solução, tem futuro, que pode vir a se tornar um grande país e não apenas um país grande. Com a força dessa juventude, uma nova geração que não conheceu os ranços das antigas, como a minha, iludidas por sonhos e esperanças que se esfarelaram, pensei cá com meus botões: sim, temos jeito.






Lembro-me das vezes em que participei de outras mobilizações de massa. A primeira, em agosto de 1961, quando da renúncia do Presidente Jânio Quadros, quando os militares tentaram impedir a posse do vice João Goulart, eu me engajei na militância estudantil e fui também para as ruas. Então, era movido pelo sonho de um país justo, impulsionado pelo movimento ao qual eu pertencia, da esquerda católica, mais exatamente a Juventude Estudantil Católica (JEC). Tínhamos inúmeros sonhos e utopias. Posteriormente, em 1963 e 1964, novas marchas e manifestações, desta vez na tentativa de sustentar João Goulart na presidência, num país convulsionado e dividido claramente em dois. Era um clima de pré-guerra civil. Perdemos e tivemos de nos recolher ao nosso silêncio, mas com uma raiva incontida e entranhada em nossas mentes. Logo vieram outras mobilizações, eu já era um universitário e militante de esquerda, não mais católica, mas marxista-leninista. Foram inúmeras manifestações fugazes e rápidas para não sermos pegos pela ditadura militar. Em janeiro de 1967, já descrente dos ideais de Marx, Engels e Lênin, deixei o movimento, após as devidas justificações à minha liderança. Eu já não acreditava mais na violência, na revolução, no golpe. Tornara-me um adepto do socialismo, desde que pudesse ser democrático, outra utopia irrealizável, por certo. Não mais me mobilizei para movimentos de rua. Mesmo por que havia outras prioridades: a carreira, os estudos, a família, os filhos. Foi um longo período de recolhimento.
Em 1984/85, novamente veio a esperança com a campanha das Diretas Já. Voltei às ruas, não mais como militante ou dono de uma verdade ideológica, mas como cidadão, como um democrata genuíno. Acabara-se, há muito, o ranço socialista. Um movimento, aliás, que o Partido dos Trabalhadores boicotou do início ao fim. Foi belo ver aquele mar de gente nos comícios, comandados pelos grandes líderes de então: Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Fernando Henrique Cardoso e tantos mais. Menos Lula, que o boicotou. As multidões gritando e agitando bandeiras foi de arrepiar. Muita gente chorou, inclusive eu.
Veio a democracia e novamente eis que se torna imperioso novamente ir para as ruas após o infausto e irresponsável governo de Fernando Collor de Melo. Estive em algumas manifestações, mormente quando, em seu louco desvario, ele convocou o povo para se vestir de preto e sair às ruas para não deixa-lo só. O povo, realmente, saiu às ruas, mas vestido com a bandeira do Brasil e ele foi deixado só. Seu impeachment ocorreu logo depois. Livramo-nos da peste.
Vieram os governos democráticos de Itamar Franco e FHC. Não me senti mobilizado para participar de qualquer ato, mesmo por que os atos de mobilização popular, então existentes, eram os do Partido dos Trabalhadores, com sua reivindicação de ética, justiça social, pão e trabalho para todos. Votei em FHC nas duas vezes em que foi presidente. Ao final de seu segundo mandato, eu estava decepcionado por não terem sido realizadas todas as reformas necessárias: a política, a fiscal, a agrária, a educacional e a da saúde. A segurança pública e a infraestrutura da nação estavam em frangalhos. Votei no Lula, em 2002. Ledo engano, amargo pesadelo. Uma decepção total, pois tudo o que ele e seu partido pregaram não era colocado em ação. Era só fisiologismo, propaganda, mentiras e tudo continuava na mesma. Aí veio o escândalo do Mensalão, o maior de nossa história. Lula e seu partido se comportaram da forma que todos sabem: vergonhosa. Nas eleições de 2006, sua vitória nas urnas foi um tapa em meu rosto. Revoltado eu estava, revoltado fiquei. Em 2010, eleição de Dilma Rousseff, o poste. Nova decepção. Eu achava que as coisas iriam perdurar daquela forma por décadas. Eu estava totalmente desacreditado de nossas instituições. Veio o julgamento do Mensalão, brotando em mim novas esperanças. Mas o tempo foi passando e senti que as coisas poderiam caminhar para o lado contrário do que o povo esperava.

Foi quando surgiu a Primavera Brasileira. Até que enfim, despertei de minha longa letargia, assim como todo o País. Novos tempos, novas esperanças. Tenho agora certeza que o País não será mais o mesmo. Por isso, fui à marcha. Confesso que vi, e exultei!

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