Este blog é dedicado às crônicas que tenho escrito no Facebook e outros blogs de minha autoria. Inicio com esta crônica escrita em junho de 2013, quando explodiram nas ruas do Brasil os movimentos populares de protesto contra os governos mais corruptos de nossa história, os do Partido dos Trabalhadores. Estas crônicas não têm um tema específico, abrangem desde política, artes, literatura, cinema, música, viagens, medicina, neurociências e outros temas que me interessam. Espero que os leitores gostem.
Confesso
que vi
Após
duas semanas em que, atônitos, eu e milhões de brasileiros, assistimos a este
espetáculo de demonstração de democracia em todo o País, um belíssimo
espetáculo, diga-se de passagem, não consegui me conter e lá fui eu para as
ruas a testemunhar o que está ocorrendo. Não me arrependi e vi, com estes
próprios olhos que a terra há de comer, o júbilo de exaltação à liberdade, do
direito, da cidadania e da luta contra a injustiça e a opressão. Sim, vi a
juventude de meu País dando-nos uma lição de como fazer para lutar contra todo
o mal que nos assola há alguns anos. Um belo exemplo que está sacudindo a nação
dado por pessoas de todas as idades, credos políticos e religiosos. Um
espetáculo inesquecível.
Confesso
que, já entrando na casa dos setenta anos, eu jamais imaginara que um dia veria
o que vi. Foi de encher os olhos, dar um nó na garganta e, quase, chorar. Um
mar de jovens, de todos os matizes sociais, não apenas da classe média, como
muitos vêm dizendo, apesar desta classe ser a predominante. Vi crianças,
jovens, pessoas maduras e idosos, irmanados em uma mesma causa: reivindicar um
país melhor para todos. Aí sim, pus o dedo na ferida, não era um sonho
televisivo ou midiático, e vi meu povo nas ruas defendendo seus direitos
vilipendiados há dez anos.
Confesso
que senti um arrependimento de não ter ido antes para as ruas. Demorei duas
semanas para tomar tal atitude. Mas foi em tempo. Continuarei a fazê-lo, dado
que considero mais que justas todas as reivindicações escritas em centenas de
cartazes e faixas. Meu receio é um só: que essas reivindicações se percam
exatamente por sua amplidão e falta de foco em algumas questões cruciais. Mas
senti que o país não é mais o mesmo. O gigante adormecido acordou. Agora nada
mais será como dantes. O orgulho de meu povo se apossou de mim. Eu, que andava
tão desmotivado para a política, tão desesperançado com o rumo que as coisas
tomaram ha muito tempo, tão enojado de nossos políticos e partidos, que já
havia desistido de qualquer esperança, senti que renasci. Sim, percebi que
nosso País tem solução, tem futuro, que pode vir a se tornar um grande país e
não apenas um país grande. Com a força dessa juventude, uma nova geração que
não conheceu os ranços das antigas, como a minha, iludidas por sonhos e esperanças
que se esfarelaram, pensei cá com meus botões: sim, temos jeito.
Lembro-me
das vezes em que participei de outras mobilizações de massa. A primeira, em
agosto de 1961, quando da renúncia do Presidente Jânio Quadros, quando os
militares tentaram impedir a posse do vice João Goulart, eu me engajei na
militância estudantil e fui também para as ruas. Então, era movido pelo sonho
de um país justo, impulsionado pelo movimento ao qual eu pertencia, da esquerda
católica, mais exatamente a Juventude Estudantil Católica (JEC). Tínhamos
inúmeros sonhos e utopias. Posteriormente, em 1963 e 1964, novas marchas e
manifestações, desta vez na tentativa de sustentar João Goulart na presidência,
num país convulsionado e dividido claramente em dois. Era um clima de pré-guerra
civil. Perdemos e tivemos de nos recolher ao nosso silêncio, mas com uma raiva
incontida e entranhada em nossas mentes. Logo vieram outras mobilizações, eu já
era um universitário e militante de esquerda, não mais católica, mas
marxista-leninista. Foram inúmeras manifestações fugazes e rápidas para não
sermos pegos pela ditadura militar. Em janeiro de 1967, já descrente dos ideais
de Marx, Engels e Lênin, deixei o movimento, após as devidas justificações à
minha liderança. Eu já não acreditava mais na violência, na revolução, no
golpe. Tornara-me um adepto do socialismo, desde que pudesse ser democrático,
outra utopia irrealizável, por certo. Não mais me mobilizei para movimentos de
rua. Mesmo por que havia outras prioridades: a carreira, os estudos, a família,
os filhos. Foi um longo período de recolhimento.
Em
1984/85, novamente veio a esperança com a campanha das Diretas Já. Voltei às
ruas, não mais como militante ou dono de uma verdade ideológica, mas como
cidadão, como um democrata genuíno. Acabara-se, há muito, o ranço socialista. Um
movimento, aliás, que o Partido dos Trabalhadores boicotou do início ao fim.
Foi belo ver aquele mar de gente nos comícios, comandados pelos grandes líderes
de então: Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola,
Miguel Arraes, Fernando Henrique Cardoso e tantos mais. Menos Lula, que o
boicotou. As multidões gritando e agitando bandeiras foi de arrepiar. Muita
gente chorou, inclusive eu.
Veio
a democracia e novamente eis que se torna imperioso novamente ir para as ruas
após o infausto e irresponsável governo de Fernando Collor de Melo. Estive em
algumas manifestações, mormente quando, em seu louco desvario, ele convocou o
povo para se vestir de preto e sair às ruas para não deixa-lo só. O povo, realmente,
saiu às ruas, mas vestido com a bandeira do Brasil e ele foi deixado só. Seu
impeachment ocorreu logo depois. Livramo-nos da peste.
Vieram
os governos democráticos de Itamar Franco e FHC. Não me senti mobilizado para
participar de qualquer ato, mesmo por que os atos de mobilização popular, então
existentes, eram os do Partido dos Trabalhadores, com sua reivindicação de
ética, justiça social, pão e trabalho para todos. Votei em FHC nas duas vezes
em que foi presidente. Ao final de seu segundo mandato, eu estava decepcionado
por não terem sido realizadas todas as reformas necessárias: a política, a
fiscal, a agrária, a educacional e a da saúde. A segurança pública e a
infraestrutura da nação estavam em frangalhos. Votei no Lula, em 2002. Ledo
engano, amargo pesadelo. Uma decepção total, pois tudo o que ele e seu partido
pregaram não era colocado em ação. Era só fisiologismo, propaganda, mentiras e
tudo continuava na mesma. Aí veio o escândalo do Mensalão, o maior de nossa
história. Lula e seu partido se comportaram da forma que todos sabem:
vergonhosa. Nas eleições de 2006, sua vitória nas urnas foi um tapa em meu
rosto. Revoltado eu estava, revoltado fiquei. Em 2010, eleição de Dilma
Rousseff, o poste. Nova decepção. Eu achava que as coisas iriam perdurar
daquela forma por décadas. Eu estava totalmente desacreditado de nossas
instituições. Veio o julgamento do Mensalão, brotando em mim novas esperanças.
Mas o tempo foi passando e senti que as coisas poderiam caminhar para o lado
contrário do que o povo esperava.
Foi
quando surgiu a Primavera Brasileira. Até que enfim, despertei de minha longa
letargia, assim como todo o País. Novos tempos, novas esperanças. Tenho agora
certeza que o País não será mais o mesmo. Por isso, fui à marcha. Confesso que
vi, e exultei!
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