terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Crônicas da Terra Lusitana - I - 22 de setembro de 2015

Lisboa, com vista para o Castelo de São Jorge, 
a Baixa Pombalina e o Tejo.


Após um descanso de dez dias na terra de Vasco da Gama e Camões voltei revitalizado. Há muito planejava esta viagem, mas os deveres de ofício não me permitiam sua realização. Conheci Portugal há 34 anos, em 1981. O país passava, então, por momentos muito difíceis. A Revolução dos Cravos completara 7 anos (25 de abril de 1974), quando havia derrubado a ditadura fascista de António de Oliveira Salazar que mergulhara Portugal numa economia atrasada, retrógrada, essencialmente rural e pouco industrializada. As taxas de desemprego e inflação eram elevadas. Portugal estava culturalmente estagnado. Apesar de pertencer à ONU e fazer parte das forças militares da OTAN, Portugal era a periferia da Europa. Mas as forças políticas de esquerda não conseguiram reverter a situação. O Partido Comunista de Álvaro Cunhal, um estalinista que havia se exilado em Moscou nos anos da ditadura salazarista, havia influenciado as forças políticas do país no sentido de uma estatização desmesurada e controle total da economia, tipo planejamento quinquenal. Evidentemente, não poderia dar certo. Mário Soares, líder do Partido Socialista, que chegara por duas vezes à presidência do país, tinha uma visão social-democrata, mas era ainda muito ligado à estatização da economia. Em poucos anos vários lideres políticos se sucederam na chefia da nação. Portugal continuava patinando em termos sociais, políticos e econômicos. Foi nesse contexto que conheci o velho Portugal e, talvez, tenha sido por isso que não me interessei em retornar à terra de meus antepassados, até a poucos anos.

Foi somente em 1986 que Portugal aderiu à União Europeia. Um embarque no desenvolvimento, na democracia plena, no respeito aos Direitos Humanos e à cidadania, na estabilização da moeda e da economia e, consequentemente, a terra lusitana testemunhou avanços sociais jamais vistos em sua história. Após abandonar seus sonhos colonialistas mundo afora, eliminar ditaduras de qualquer ideologia, Portugal mergulhou na Europa da modernidade.

Este é o Portugal que tive o prazer de ver, de sentir, de mergulhar em suas entranhas e sair extremamente gratificado. Esta é a terra-mãe que grande parte de nós, os brasileiros, gostaríamos de ver.
Portugal está longe de ser um dos países mais ricos da Europa, mas é país de primeiro mundo. Tem seus problemas sociais, mas não se vê miséria e fome. Longe está de ser uma Grécia. Praticamente não se vê mendigos pelas ruas. A criminalidade existe, como em todo o mundo, mas se encontra sob controle. O salário mínimo é bem superior ao do Brasil (mas também o custo de vida é mais elevado), o que configura uma renda per capita do cidadão português também maior que a nossa. A inflação é risível comparada à do Brasil. Os índices de escolarização são elevados, as universidades são de excelente qualidade. Não se observa ideologização na educação. A saúde pública e os planos de saúde privada funcionam, apesar de seus problemas. Os transportes públicos não ficam a dever nada aos de seus vizinhos do norte mais industrializado e mais ricos. A infraestrutura é primorosa. Tendo rodado bastante o país, fiquei impressionado com a malha rodoviária, ferroviária e hidroviária. As auto-estradas portuguesas são de dar inveja a qualquer cidadão brasileiro. São modelos de modernidade.
A política é praticada dentro de princípios democráticos. Há corrupção, como em todo o mundo, mas em Portugal, até recentemente, um Primeiro Ministro esteve preso por corrupção (aliás, muito amigo do Lula).

O desenvolvimento e o progresso acompanham os locais mais distantes e remotos do país. Visitei Lisboa e sua região, a Estremadura e Ribatejo, a região do Porto, vale do Douro e Trás os Montes, atravessei o Minho até Santiago de Compostela, na Espanha, desci pela Beira Alta e Baixa e cheguei ao Alentejo. Só não visitei o Algarve e áreas do extremo sul. A tecnologia pode ser vista em todos os recantos por onde passei. Pode-se andar com tranquilidade por todo lado, evidentemente se precavendo contra os universais batedores de carteira. O turista sempre é tratado com urbanidade. Não se observa o famoso “jeitinho brasileiro”, base da nossa endêmica corrupção. Observa-se um desejo genuíno do português de seguir a lei e a ordem. Não se vêm excessos no trânsito, o uso da buzina é moderado, há um visível respeito ao pedestre.

Lisboa é uma festa. Uma cidade mais cosmopolita que o Rio de Janeiro ou São Paulo, apesar de muito menor. Isso se explica pela sua posição geográfica privilegiada: caminho de entrada na Europa e passagem para o Oriente e África. Ao se andar pelas suas ruas centrais ouve-se o som da babel de línguas estrangeiras. Os bares nos calçadões do Rossio, do Chiado, da Praça do Comércio (Terreiro do Paço) e da Baixa Pombalina, as mesas de restaurantes nas ruas fechadas ao trânsito como a bela Rua Augusta, emoldurada com o monumental Arco Triunfal que se abre para o Terreiro do Paço, defronte o Tejo, seus cheiros característicos de peixe com temperos orientais, o som do fado por todo lado, tornam Lisboa uma cidade mágica. A Lisboa antiga essa, então, nem se fala. Uma caminhada pelas ladeiras intermináveis da Alfama, do bairro do Castelo e da Graça, num sobe-e-desce que lembram nossa Vila Rica muito mais velha, é magia pura. As roupas colocadas em varais das fachadas das casas medievais dessa Lisboa antiga já se incorporou ao folclore universal, saindo até nos cartões postais da cidade. Os pequenos restaurantes nos becos e ruelas da Alfama são hoje disputados por turistas de todo o mundo. A Judiaria, no seio da Alfama, local onde viviam os judeus antes da sua expulsão do reino de Portugal, em 1497, pelo rei D. Manuel I (O Venturoso), são locais de visitação que carregam toda uma emoção e o imaginário do sofrimento desse povo. O estuário do Tejo, com sua preguiçosa entrada no Atlântico dá a Lisboa um clima especial. Por não ser uma cidade montanhosa, possui aclives mais leves, a luz de Lisboa, sua ensolação, lhe dá uma característica peculiar. É considerada a cidade com mais luminosidade solar do mundo. E tem também o lado futurista da cidade: o Parque das Nações, um conjunto de edifícios bastante modernos, construído na parte leste da cidade, antiga área industrial, inicialmente para a Exposição Internacional de 1998. As obras foram concluídas em 2014. Destaca-se o Oceanário de Lisboa, um dos maiores aquários do mundo, e a Torre Vasco da Gama, o mais alto edifício do país. Todas as construções são de uma beleza arquitetônica impressionante.

A cidade do Porto é outra peça inesquecível. No estuário do Rio Douro, assim como Lisboa, foi fundada pelos fenícios e depois tomada pelos cartagineses, romanos, visigodos, mouros e, por fim, os cristãos. Seus bares e restaurantes próximos à Praça da Ribeira, junto ao rio, suas antigas ruas, casas, edifícios, igrejas, monumentos, torres, livrarias e praças centenários também dão um toque de magia ao local.

As demais cidades visitadas, Óbidos, Coimbra, Braga, Guimarães (berço da nação portuguesa), Vila Real, Peso da Régua, Covilhã, Lamego, Viseu, Castelo Branco, Évora, revelam, além de seus belíssimos conjuntos arquitetônicos e históricos um elevado padrão de vida de seus cidadãos. Monumentos nacionais como os de Batalha, Fátima, a Serra da Estrela, são locais de reverência pelo seu sentido histórico, religioso ou geográfico e locais de grande beleza.

O turista brasileiro está acostumado com o já batido roteiro e circuito conhecido como “Elizabeth Arden”: Londres, Paris e Roma. Para não se falar no binômio Miami-Nova York. Passa batido o roteiro que inclui Portugal ou, mais simplificadamente, Lisboa. Muitos consideram esse passeio como algo secundário, desnecessário mesmo. Fica em terceiro ou quarto planos. Não fazem a mínima ideia do que perdem. Um território europeu que, onde não apenas se fala nossa língua, mas também se compartilha muito de nossa cultura, tradição e história, é um item essencial para qualquer viajante que se preze. Portugal tem sido o caminho para residência definitiva de muitos brasileiros, que fazem uma marcha inversa do que ocorrera durante cinco séculos. Sem dúvida, um caminho de muita sensatez, sensibilidade e busca de qualidade de vida.

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