terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Adeus Camaradas




https://www.youtube.com/watch?v=CJhqXdRTHGA

Assisti recentemente a uma minissérie de documentários que reputo imperdível. Chama-se "Adeus Camaradas" ("Adieu Camarades"), cuja direção é do cineasta russo Andrei Nekrasov e roteiro de Andrei Nekrasov, Jean-François Colosimo e György Dalos. Trata-se de uma produção franco-russa, com locação em diversos países, sobre o fim do império soviético. São 6 capítulos, em mais de 5 horas de filmes.
Na Introdução, um homem de pouco mais de 50 anos, que vivera sob o jugo comunista na Alemanha Oriental tem uma fala que transcrevo a seguir:
“É o fim. Foi isso que eu disse para mim mesmo. Lembro-me como se fosse hoje. Foi em 25 de dezembro de 1991. Eu tinha 33 anos e algo morrera dentro de mim. A ideia mais maravilhosa desde o cristianismo morrera: o socialismo. Nascida de um sonho de irmandade e justiça, essa utopia pareceu absurda durante séculos. Mas nós a transformamos em política de Estado. Seu fim foi tão apagado e banal quanto a transmissão que o anunciou. Um senhor careca de 60 anos com sotaque do interior admitia a derrota. 
‘- Estou encerrando minha atuação como presidente da URSS.’
Aquela superpotência nunca antes derrotada acabou derrotando a si mesma. Vinte anos depois ainda não acredito nisso e meu socialismo ainda vive nos meus sonhos. Mas quando acordo não fico me lamentando. Está morto e enterrado, desaparecido para sempre. Simples assim.”
A seguir, sua filha, uma jovem historiadora alemã, responde:
“Não, pai. Não é tão simples assim. Quer esquecer aquele sistema em que você viveu? Decidi estudar História porque acho que não podemos esquecê-lo. Não podemos esquecer as coisas terríveis que sabemos: trabalho escravo, assassinatos em massa, Stalin, o gulag. Ainda na sua época, dissidentes eram torturados em hospitais psiquiátricos, pessoas eram mortas tentando escapar do ‘paraíso dos trabalhadores’, e uma nação inteira enganada sobre o desastre de Chernobyl. Você não estava muito presente nos anos 80, quando eu era criança. Você disse que não podia ficar conosco no Ocidente porque queria dar uma chance ao socialismo. Você disse que a URSS duraria para sempre. Agora quero saber como o maior império da História, como todos aqueles Estados-satélites, exércitos e forças de segurança, rendeu-se sem que um tiro fosse disparado. Por que e como isso aconteceu?”
***

“Há muito debate sobre se as reformas de Gorbachev foram feitas para salvar o sistema soviético ou em nome da democracia. Ele foi um reacionário com uma máscara humana ou um comunista legalista?
“- Eu acredito no ideal socialista, cujas origens se encontram na nossa importantíssima herança cristã.”
“Socialismo, cristianismo... Você dizia a mesma coisa. Mas se dizer socialista não quer dizer nada. A ideia do socialismo é ótima em uma sociedade livre, mas, considerando o histórico do termo no século 20, penso duas vezes sobre a sinceridade alguém que fala dos valores humanistas do socialismo. Não seria ingênuo esperar sinceridade das figuras históricas? Provavelmente sim, quase sempre. Mas parece que há momentos na História em que julgamos nossos contemporâneos baseando-nos na sinceridade deles, mesmo que tenham cometido erros. Mas não é uma surpresa que para mim seja tão ou mais importante saber se você foi sincero, pai. Saber o quão sincero você foi comigo, com você mesmo... Será que algum dia terei a resposta? Quem é?”

Nos momentos finais, um cantor e compositor russo apresenta sua canção, cujo texto transcrevo:
“- Há uma língua sem palavras
mas cheia de significados em que gosto de cantar
gostaria de dominar essa língua
a língua dos sonhos e aspirações
mas acordo sozinho em um país desconhecido
e só posso murmurar delirando:
‘foram tempos excepcionais
que nunca verei outra vez’.
os amores não correspondidos são abençoados
mas ele é um prisioneiro em terra estrangeira
que viveu mais que sua amada
sua amada pátria e seu amado povo
sua amada pátria e seu amado povo
essa língua está cheia de palavras sinceras
que eu devia cantar em vez de chorar
mas eu me deparei com a palavra ‘amor’
que soa implacável como a morte.
Mas eu me deparei com a palavra ‘amor’
Que soa implacável como a morte.
Como epílogo, o monólogo do mesmo homem que transcrevo:
“Eu acreditava que a democracia era comparável com nosso socialismo porque achava que as pessoas o escolheriam, se tivessem outra opção. Mas não tiveram. Era algo tão trágico para mim, que não quis mais pensar no assunto. Mas nunca parei de pensar em você e em tudo o que sacrifiquei em nome das minhas ilusões. Eu precisava que você me entendesse e me perdoasse. Mesmo que alguns tenham se arrependido as pessoas rejeitaram o nosso socialismo em 1991. Ao fazê-lo, elas se voltaram contra sua educação, contra os hábitos e valores de uma vida inteira, contra suas recordações. Elas ainda eram seres soviéticos e socialistas, mas não podiam mais engolir tantas mentiras. Nossa jornada começou com a fé na fraternidade e na justiça. Durante a caminhada, você acaba aprendendo algo. Eu aprendi. Para mim, o aprendizado mais importante, apesar de difícil, foi admitir que um ideal, por mais belo que seja, não pode ser imposto às pessoas. Por quê? Porque nenhum ideal pode competir com a liberdade.”

Um comentário:

  1. sabes o nome da música no fim da série? Abração pelo trabalho aqui registrado!

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